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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

MISCELÂNEA - Emanuel Medeiros Vieira

EMIGRADOS
                     
Emigrados:
seremos sempre,
emigrados.
                                           
Em busca de outro mar,
da última ilha,
seguindo os pássaros,
atrás do último  pássaro.

De um mar a outro,
de uma ilha à outra ilha,
e, então, dormiremos,
uma noite sucedendo-se à outra.


HOMEM DIANTE DO MAR
    
Homem diante do mar
(instância interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida

Trapiche:
o homem só contempla
(desembarcado).

No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.

No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço.
Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço.

(Mátria: sou apenas um homem diante do mar.)

Desterro: instante convertido em sempre.

O homem desembarcado só pode viver de memória: diante do mar.


EXÍLIO*
    
Um Atlântico nesta separação:
batido coração segue as ondas de maio.
Desterros além da anistia,
para lá dos poderes.
Velas ao vento,
não bastam os selos,
a escrita crispada.
Queria os sinais da tua pele,
vacinas, umidades, penugens,
pêlos perdidos no mapa do corpo,
o olhar suplicante, soluços.

Jornadas:
missas de sétimo-dia,
retratos arcaicos.
Outro exílio:
sem batidas na boca da noite, armas, fardas, medos,
clandestinidades.

Sol neste retorno:
casa, guarda-chuva no porão, caneca de barro,
álbuns, abraço agregador,
cheiro de pão, gosto de café,
o amanhã junta os dois nós da memória,
um menino e o seu outro: estou melhor feito vinho velho.


*Poema premiado no Concurso Nacional de Poesias, cujo tema foi “O Mundo do Trabalho”, promovido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.
       

MADONA
  
Senhora das horas inconclusas
Senhora do torto parto
                 do porto inalcançável   
Madona da ânsia infinita
                    vã peregrinação    
Senhora  do desassossego
Conceda-me o bálsamo do olvido
                       passagem silenciosa
                       travessia sem medo
Senhora do inútil tempo – que continua queimando
Senhora da veloz juventude
Madona de todas as velhices
Outorga-me o estatuto da ausência.


ASTROLÁBIO*
            Para Lucas, meu filho                                          
                                        
          A bússola e o astrolábio:
          velas ao vento. 
          Existe outro Bojador nestes mapas interiores?
          Os navegadores estão no exílio:
          há faróis neste degredo?
          Findou a aventura no mundo.

          Singrando-me, cumpro-me.
          Além de mim, além da vida:
          do pó que serei.
                                        
  *Poema premiado em concurso nacional  promovido  pela FUNARTE.