EMIGRADOS
Emigrados:
seremos sempre,
emigrados.
Em busca de outro mar,
da última ilha,
da última ilha,
seguindo os pássaros,
atrás do último pássaro.
De um mar a outro,
de uma ilha à outra ilha,
e, então, dormiremos,
uma noite sucedendo-se à outra.
HOMEM DIANTE DO MAR
Homem diante do mar
(instância interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida
Trapiche:
o homem só contempla
(desembarcado).
No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.
No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço.
Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço.
(Mátria: sou apenas um homem diante do mar.)
Desterro: instante convertido em sempre.
O homem desembarcado só pode viver de memória: diante do mar.
EXÍLIO*
Um Atlântico nesta separação:
batido coração segue as ondas de maio.
Desterros além da anistia,
para lá dos poderes.
Velas ao vento,
não bastam os selos,
a escrita crispada.
Queria os sinais da tua pele,
vacinas, umidades, penugens,
pêlos perdidos no mapa do corpo,
o olhar suplicante, soluços.
Jornadas:
missas de sétimo-dia,
retratos arcaicos.
Outro exílio:
sem batidas na boca da noite, armas, fardas, medos,
clandestinidades.
Sol neste retorno:
casa, guarda-chuva no porão, caneca de barro,
álbuns, abraço agregador,
cheiro de pão, gosto de café,
o amanhã junta os dois nós da memória,
um menino e o seu outro: estou melhor feito vinho velho.
*Poema premiado no Concurso Nacional de Poesias, cujo tema foi “O Mundo do Trabalho”, promovido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.
MADONA
Senhora das horas inconclusas
Senhora do torto parto
do porto inalcançável
Madona da ânsia infinita
vã peregrinação
Senhora do desassossego
Conceda-me o bálsamo do olvido
passagem silenciosa
travessia sem medo
Senhora do inútil tempo – que continua queimando
Senhora da veloz juventude
Madona de todas as velhices
Outorga-me o estatuto da ausência.
ASTROLÁBIO*
Para Lucas, meu filho
A bússola e o astrolábio:
velas ao vento.
Existe outro Bojador nestes mapas interiores?
Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.
Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.
*Poema premiado em concurso nacional promovido pela FUNARTE.