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terça-feira, 27 de agosto de 2019

POESIA



Os poetas, como os cegos, enxergam na escuridão.
Hoelderlin já  nos ensinava: “O que permanece, fundam-no os poetas.”
Alphonsus de Guimaraens Filho escreveu: “Se não for pela poesia/como crer na eternidade?”
Numa mensagem, meu amigo Ronaldo Cagiano, confessa: “Um minuto no túmulo de Balzac, uma tarde à beira do Sena ou um café n’A Brasileira, onde sentou Pessoa, me ensinam mais que todas as religiões e filosofias.”
Kafka já dizia: tudo o  que não é literatura me aborrece.
"Complementa Cagiano, o colega escritor: Não tenho medo de andar contra a corrente. A vida não é feita de adesões ao política, estética e culturalmente correto, mas ao que tem dimensão onírica, humana e solitária. E isso não dá votos, nem resenhas na Folha.”
 
Me perguntaram numa escola aqui em Brasília: “Como se faz um bom livro?”
Eu sorri, sala cheia, jovens de 20 anos.
Sabia de cor a resposta de Somerset Maugham: “Há três regras para se escrever um bom livro. Infelizmente, ninguém sabe quais são.”
Dia de citações, não é? Meus perdões.
Porque escrever não tem receita. Tem inspiração sim. Mas tem muito trabalho. “Transpiração”, disciplina. Há que começar a faina diária mal rompe a aurora.
Todos os dias, todos.
E ler, muito. Reler. Ler mais. Sempre. Até o último suspiro.
Se paramos de ler, vamos morrer.
O aprendizado da escrita é misterioso.
“O processo de aprender a escrever é desanimador porque é inexplicável”, afirma Alberto Manguel.
Ele complementa: “A leitura é uma atividade pela qual os governos sempre manifestaram um limitado entusiasmo”
É claro. A leitura abre os espíritos.
A literatura “revela”.
A verdade liberta. Com ela no seu coração, você não votaria mais por ter recebido uma esmola, um saco de cimento, umas telhas ou uma bolsa-família.
Ler sempre incomoda os ditadores, os napoleões tupiniquins, desagrada  os poderosos, os idiotas e medíocres de plantão.
E, no geral, eles estão nos órgãos ditos culturais, com o seu vasto número de funcionários entediados, seus burocratas mesquinhos e seus lanches vespertinos, suas panelinhas burlescas, que querem camuflar o seu enorme vazio com roupas chics ou retóricas e preciosismos. Não enganam.  Não adianta. São figuras que merecem a piedade. Serão varridos por qualquer  vento  sul.  Podem receber prebendas, se acham “sérios”, às vezes  assinam colunas diárias.
Mas  serão sempre  figuras menores: aquelas que morrerão sem a solidariedade de si mesmas.
Manguel lembra que  Pinochet proibiu “Dom Quixote”, de Cervantes.
Lógico, o leitor lendo Quixote descobriria a alma nazista do ditador chileno, uma besta do Apocalipse sul-americano.
Penso no que disse um republicano espanhol (pai de um escritor) que passou muitos anos numa prisão política:
“Até na cadeia vocês serão mais felizes se gostarem de ler.”
É verdade!
 
Emanuel Medeiros Vieira (falecido em 19 de Julho de 2019)

terça-feira, 20 de agosto de 2019

MANDELA



“Certas pessoas, raríssimas, parecem acima da condição humana. Nelson Mandela foi um desses seres inexplicáveis. Passar na prisão 27 anos, com a consciência de que só lhe acontecia assim por defender uma das mais grandiosas causas universais, e emergir desse massacre sem ressentimento, com propósitos e atos de quem fosse servido por 27 anos com o melhor da vida – isso excede o humano, O animal homem não é assim.” (...) (Jânio de Freitas)
Eu sei: “toneladas” de papéis já foram escritos sobre Nelson Mandela.
Mas, brevemente, eu só queria ressaltar algo que me tocou muito na sua vida – que é a existência de um dos maiores seres do século XX (ou de todos os tempos).
Queria tentar iluminar um caminho para a reflexão: a capacidade impressionante
do Perdão. Sim. Perdão. Não o perdão facilitário das telenovelas, de “boca”, que se diz todos os dias.
Algo profundamente enraizado no coração, internalizado durante tantos anos de
privação da liberdade.
Por um objetivo maior que ele mesmo: seu país e seu povo.
Com muito esforço, contaremos nos dedos (de uma só mão), seres desta estirpe. Dessa grandeza.
Saiu da prisão sem ressentimento, quando seria capaz (com uma só conclamação) de colocar fogo na África do Sul.
São exemplos que ainda nos dão esperança na espécie humana.
Tal esperança anda escassa, pela brutalidade dos modelos existentes, pela exclusão, pela desigualdade obscena, pela traição dos valores mais caros, pela negação do outro, pelo individualismo intenso, pela prevalência dos corações secos e duros.
Pelo desejo constante de vingança.
Uma luz como Mandela, é um farol: de misericórdia, de compaixão.
E uma sensação de orfandade invade o planeta, repleto de guerras – mesmo no seu país, com tanta violência, com a Aids ainda atingindo taxas elevadas.
Meu pai dizia que o Bem iria vencer – na batalha final, dos Anjos contra os Demônios (do racismo, do egoísmo, do preconceito, da mesquinharia, da inveja, da cobiça, enfim, dos baixos instintos).
Há momentos em que a gente chega a duvidar. Mas é preciso acreditar E que façamos(diariamente) a nossa parte.
Ainda assim, Mandela foi maior que o seu tempo. Foi maior que ele.
Ofertou-nos, como dádiva eterna, o mais precioso presente: a esperança.
Mostrou que o perdão mais profundo – mesmo que muito difícil – é possível.
Alvíssaras!
Mandela morto, ilumina outros espaços. Dialeticamente, seguirás em frente.
Quem sabe, em um lugar pobre e modesto, talvez em uma manjedoura, apareçam outros mandelas.
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)
Nota: Texto que me foi remetido pelo Emanuel em Maio de 2018 e, segundo a então informação sua, também publicado no Blogue GRUPO ADVOCACIA & JUSTIÇA.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

SAINT EXUPÉRY

                                  Saint Exupéry 
                          Aviador por profissão, escritor por  vocação (e devoção)


Antoine de Saint Exupéry (1900-1944) deve estar no vasto Mediterrâneo. Nunca  acharam o corpo deste aviador por profissão e escritor por vocação (e devoção).

Não importa. Ele é do mar e de  todos nós.

O grande Antoine um dia desceu na Ilha de Santa Catarina, minha terra natal, no Campeche (felizmente, antes de  sua favelização).

Não, não é, como muitos pensam,  um escritor das misses que, com suas curtas massas encefálicas, nunca o entenderam. É maior. Leiam só o final  de “Terra dos Homens”, na tradução de Braga.

Traduzi trechos do livro de Saint Éxupery.

Mas a versão do maior cronista brasileiro de todos os tempos é perfeita.

Leiam: “O que me atormenta, as sopas populares não remedeiam. O que me atormenta não são essas faces escavadas nem essas feiuras. É Mozart assassinado, um pouco, em cada um desses homens. Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode criar o homem.”


Emanuel Medeiros Vieira (falecido em 29/07/2019)

Nota: Texto que me foi remetido pelo Emanuel em Abril de 2018 e, segundo a então informação sua, também publicado no Blogue GRUPO ADVOCACIA & JUSTIÇA.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

UM AMIGO QUE PARTE




Assistir à última partida de alguém próximo, familiar ou amigo,  é sempre um momento de grande e espontânea reflexão, pela instantânea consciência da finitude da vida, que, felizmente, para auto-defesa, o cérebro atira permanentemente para as calendas do pensamento.
Ver partir um Grande Amigo, sabendo mesmo antecipadamente que tal notícia não seria grande surpresa, face ao prolongado e duro sofrimento psíquico e físico confessados, é um soco no estômago que coloca o organismo num tal entorpecimento e pensamentos difusos que impedem o discernimento até ao inevitável enfrentamento da cruel realidade.
Pois, o Emanuel partiu em de 29 de Julho passado, por mera coincidência exactamente no dia que minha filha, Raquel, perfez 44 anos. Dia que deveria ser de alegria virou data de enorme tristeza e amargura.
Desde há muito tempo o Emanuel me alimentava com as suas maravilhosas crónicas, para posterior postagem no meu Blogue Pessoal, algumas delas duma contundência tal que só quem conheceu o seu permanente passado de luta intrépida por um Mundo Melhor, decorrente do seu intrínseco humanismo, compreenderá em plenitude o seu pensamento.
Desde que o constituí, procurei que o meu Blogue fosse o mais eclético possível, todavia, na última visita do Emanuel a minha casa, no Porto, em Portugal, em que me relatou a sua doença, perante uma previsível despedida definitiva a todo o momento face à inexorável deterioração evolutiva da sua saúde, prescindi de postagens de outras matérias que não as constantes dos Artigos com que o Emanuel me encantava. Daí a razão pela qual desde há bastante tempo o seu material ser o único postado no meu Blogue.
Pela grande cadência de Crónicas recebidas, que ultrapassava a boa gestão temporal do Blogue, houve um acumular de material, que ainda possuo em carteira, e, com o ainda seu conhecimento, esses Artigos iriam ser postados paulatinamente, de modo adequado, o que irá suceder.
Há um, todavia, recebido em Marco do ano passado, cujo conteúdo desde logo considerei uma autêntica Ode à Vida e uma preparação psicológica para a inevitável meta cuja data era imprevisível. Não o postei na altura e guardei-o para data mais adequada. Penso ser o momento oportuno para sua publicação. Fá-lo-ei agora, cônscio que estou em pensamento com o Emanuel, esteja ele onde estiver.



Quem era o Emanuel:

De Emanuel Medeiros Vieira 
quinta, 29/03/2018, 14:27
Bom dia Amigos!
Aqui é Célia, esposa do Emanuel, encaminho esse informativo, ao qual ele é candidato, indicado, pela Associação Internacional de Escritores e Artista, ao Prêmio, Nobel da Paz - 2018 
No momento,  ele se encontra impossibilitado de vir ao computador, devido a grave enfermidade, gostaria de compartilhar com vocês, só a simples indicação, já nos orgulha muito, da sua força, competência e bravura, momento tão difícil, para nós familiares.
Agradeço, e peço desculpas, pelo simples texto.
Célia de Sousa
Esposa do Emanuel Tadeu Medeiros Vieira – Escritor

Nota do Administrador: Há aqui um lapso da Célia: Trata-se do Prémio Nobel da Literatura e não da Paz. Ela andava já muito transtornada, é compreensível.

De Emanuel Medeiros Vieira:
Queria informar que meu esposo Emanuel Tadeu Medeiros Vieira foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura pela  "International Writers And Artists Association (IWA), sediada em Toledo, Ohio, nos Estados Unidos, e a língua oficial é o inglês, mas também é operada em francês, italiano, espanhol e português.
Queria ressaltar que ele nem sabe que eu estou escrevendo para os  senhores.
Está acamado, com fortes crises, devido ao câncer.
Para qualquer outra  informação, favor contactar com o e-mail 

Cordialmente, Célia de Sousa



                             

                                                            SOBRE A MORTE
                  
 "Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais"(Rubem Alves - a quem agradeço algumas citações neste texto, como a de Cecília Meireles). Quantos já escreveram o mesmo: já tive medo da morte. Sinto-me assim. Posso ter medo da dor, e sei como ela chega, não é em um barco perfumado. A dor maior? Não sei explicar. Como um serrote - indo e voltando, repito, indo e voltando (uma dor indescritível) na barriga, exatamente nos tumores, alojados no pâncreas e no fígado e, quem sabe, já em outros lugares. Indo e vindo. O perfume não é esse.
É de suor, morfina, veias furadas - e aquele cheiro de hospital.
E a morte na soleira da porta. Olha-te - não cinicamente - mas como o olhar de uma vencedora, que sabe que - NO FINAL - ganha sempre.Também não tenho medo da morte.
"O que sinto é uma enorme tristeza" (do mesmo Rubem Alves). Ele lembra Mário Quintana: “Morrer, que me importa? (…) O diabo é deixar de viver.” A vida é tão boa! Não quero ir embora…"
Cecília Meireles dizia: “E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega… O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias… Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto…”
(Salvador, Bairro da Graça, março de 2018)
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
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Carlos Jorge Mota <carlosjorgemota@gmail.com>
08/03/2018, 21:07
para Emanuel
Caro Emanuel

Meu irmão partiu aos 54 anos com um tumor na cauda do pâncreas, mas isto em 1986, portanto sem os recursos clínicos que há hoje: quer ao nível do diagnóstico quer ao nível do acompanhamento terminal. Tinha já o corpo todo metastaseado, sofreu muito, e nós impotentes perante aquele cenário ...

A angústia dele e nossa era dilacerante.

Sei, melhor que ninguém, portanto, ler as tuas palavras com toda a carga emocional que elas carregam, mas deveremos, penso, viver dia após dia sempre na esperança, que não é vã, que o tratamento e cura poderão surgir a cada instante.

Um grande e afectuoso abraço.

Óbvio que todos os teus poemas, nomeadamente estes últimos, serão postados no meu blogue.


Emanuel Medeiros Vieira 
09/03/2018, 13:46
para eu
Estimado Carlos
Muito lúcidas e generosas as tuas palavras, amigo Carlos!
E são estimulantes!
É isso: VIVER CADA DIA!

Muito obrigado!
Grato e fraterno abraço do Emanuel



Emanuel Medeiros Vieira 
09/03/2018, 13:49
para eu
Apenas um  complemento, amigo Carlos!

Queria agradecer a postagem de textos de minha autoria no teu blogue.
Com a estima e a sincera gratidão do Emanuel

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Carlos Jorge Mota