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terça-feira, 30 de abril de 2019

HALLELUJAH (ALELUIA)

HALLELUJAH (ALELUIA)
ESCUTANDO “ALELUIA”, DE LEONARD COHEN

(...) “SUA FÉ ERA FORTE, MAS VOCÊ PRECISAVA DE PROVAS (...)
AGORA TALVEZ HAJA UM DEUS ACIMA
QUANTO A MIM, TUDO O QUEU EU APRENDI SOBRE O AMOR
É COMO ATIRAR EM ALGUÉM QUE SACOU A ARMA PRIMEIRO (...)
ALELUIA, ALELUIA
ALELUIA, ALELUIA”

No papel em branco, a perplexidade do mundo.
Na demonização sistemática do outro, venceu o individualismo.
Como disse Fernando Schüler, um dos subprodutos mais curiosos da democracia digital é “o gosto generalizado pela tagarelice e pelos assuntos irrelevantes, que parece ter tomado conta, como uma erva daninha, do debate político”.
Na sua visão, assuntos irrelevantes são essas coisas que geram bate-boca e algum calor, por 24 ou 36 horas, e depois “simplesmente desaparecem sem deixar rastro”.
Ele lembrou o caso do debate sobre a  cor da roupinha das crianças, a partir de um vídeo da ministra-pastora dos Direitos Humanos.
Muita gente levou o assunto a sério.
Tempos de futilidade, de agressão e de demonização do outro, não do diálogo..
A lista é grande: “A democracia digital explodiu essas coisas”, acrescenta o articulista citado.
DESAPARECEU QUALQUER DISCUSSÃO MAIS TRANSCENDENTE.
O debate público se tornou vítima do instantâneo.
Quase todo mundo conhece o vaticínio de Umberto Eco, segundo o qual a internet fez com que o idiota da aldeia fosse promovido a portador da verdade.
Arremata o articulista: “O que imagino nem Humberto Eco esperasse era o efeito inverso: que também a elite usualmente tida como portadora da verdade passasse a se comportar no dia adia, como o idiota da aldeia.”
(Por tal razão, coloquei como epígrafe um pequeno trecho de “Aleluia”, de Leonard Cohen, para que a beleza e o espírito civilizatório não desapareçam completamente do horizonte.)
(Brasília, abril de 2019)
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA


terça-feira, 23 de abril de 2019

DESIGUALDADE




“Que falta nesta cidade? Verdade. Que mais para sua desonra? Honra. Falta mais do que se lhe ponha? Vergonha” (...)
(Gregório de Matos Guerra – 1636-1696, que tinha a alcunha de “Boca do Inferno”)
O ano passado registrou o maior crescimento do número de bilionários da história, com um novo bilionário no mundo a cada dois dias.
Segundo com a ONG britânica Oxfam, o aumento seria suficiente para acabar sete vezes com a pobreza extrema no planeta.
Conforme matéria de Gabriela Albach, de toda riqueza produzida pelo mundo no ano passado, 82 por cento ficou concentrada com 1 por cento da população mais rica, enquanto a metade mais pobre da humanidade não teve qualquer aumento em seu patrimônio.
“O aumento da desigualdade é uma tendência global, e o Brasil tem seguido essa tendência”, afirma Kátia Maia, diretora da Oxfam no Brasil.
Os dados fazem parte de relatório “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, produzido pela ONG.
Segundo o levantamento, dois terços das fortunas estão ligadas à herança, monopólio e ao chamado “capitalismo de compadrio”.
Para a ONG, a geração de empregos decentes é a aposta para diminuir a desigualdade. Para ele, as nações mais pobres abrigam – é claro – a maioria diminuir a desigualdade.
O economista sueco Gunnar Myrdal, Prêmio país sem tecido empresarial forte.
As nações mais pobres abrigam a maioria com rendas baixas, fundamentalmente para permanecer vivo, ampliando a incapacidade de poupar.
Como disse Helington Rangel, através de processos de deslegitimação e exclusão moral, o cidadão não se sente obrigado a reconhecer normas e regras sociais, fora do seu grupo.
Segundo estudo do irlandês Marc Morgan (estudante de Economia de Partis, e que tem como orientador o francês Thomas Poketty, autor de “O Capital no Século XXI”), a desigualdade no Brasil é muito maior do que se imaginava, com ENORME CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO TOPO DA PIRÂMIDE SOCIAL,
O grupo que representa os 10 por cento mais ricos da população fica com mais da metade da renda nacional.
É impossível efetivar um verdadeiro regime democrático com uma desigualdade tão perversa e obscena.

Salvador (Bahia), fevereiro 2018.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

segunda-feira, 15 de abril de 2019

CONJUNTO NACIONAL

CONJUNTO NACIONAL”
AOS QUE VIERAM PARA BRASÍLIA NA DÉCADA DE 60

PARA A MINHA FILHA CLARICE VIEIRA SMGKA  (QUE CHEGOU MAIS TARDE NO PLANALTO CENTRAL DO PAÍS, EM 22 DE AGOSTO DE 1986 – EXATAMENTE DEZ ANOS APÓS A PARTIDA DO CRIADOR DE BRASÍLIA, JUSCELINO KUBITSHECK DE OLIVEIRA (22 DE AGOSTO DE 1976), E CINCO ANOS DEPOIS DA DE GLAUBER ROCHA, EM 22 DE AGOSTO de 1991)
Vestir uma roupa melhor. Domingo de manhã.  Cheiro de terra, de obra, de graxa, de óleo, ônibus aos pedaços. Tudo por fazer. Ônibus?
Não. Estradas, “picadas”, eram abertas de noite para o dia, como restaurantes.  Postos de gasolina, e viu perto  de sua pensão.  “Leio  o seu futuro”., ronco de caminhões, todos os tipos de condução – , chegando de todo lugar. Não, ele não era pioneiro. Queria ganhar dinheiro com  a  nova capital  –  mesmo com bichos, onças, cobras, lobos-guarás.
Escapem das cobras”, alertavam os chefes. Poucas vacinas.
Faltava mulher. Começavam  a chegar em conduções precárias, principalmente vindas do Nordeste .
Alguns pregadores também surgiam, falando sobre o fim do mundo e, com uma boa conversas, faziam preços mais  baratos.
(Velho, uns 50 ou 60 anos depois, colho fragmentos, como nos filmes que  - a  maioria, faroestes - que exibíamos aos  domingos à tarde
Recupero só a imagem, nunca a sensação.
É a impossibilidade intrínseca da escrita.
Escrevo porque não posso viver mais o que vivi. Só lembrar.
Alguém frita linguiças e carne de sol. Pinga nunca faltava
Lembrava  de todos que vieram tentar a sorte no começo da nova capital.
Domingo que vem...
Um  quartinho na Cidade Livre (inícício de Brasília; hoje Núcleo Bandeirante). Qualquer emprego servia.
Construíam o primeiro  shopping.
“Conjunto Nacional”. Diziam que havia vagas.
Estávamos perto dos 20 anos.
Do Nordeste, vinha mais pau-de-arara, caminhões.
Um perfume barato comprado em algum lugar.
Visitar o Conjunto antes de tentar trabalhar lá.
Fazer o quê no domingo?
Ver o Conjunto Nacional em construção.
E descobrir uma cidade começando.
Vinda do nada.
“Tudo vinha do nada” – pensei.
Todos queriam começar, ganhar dinheiro, uns com espinhas no rosto– quase meninos ainda.
Uma nova vida. Juscelino estava esperançoso.
Estávamos bem arrumadinhos para o passeio odomingueiro.
(A cidade nunca será “deles”, desses que chegam nesses caminhões velhos. Surrupiados, afastados, enganados, com Golpe, cassetetes e tramoias.)
“Isso não e ficção”, diz um anjo torto. Sim, não é.
Domingo de manhã.
Encontrar uma morena bonita.
Camisa nova, cabelo bem penteado.
E se desse certo?
Construir uma família, não morrer, e que nenhuma árvore caísse em cima de ti, nenhum bicho bravo te mordesse. Uma casa boa.
A morena bonita toma um sorvete. Eu e meu colega observamos. Ela parece tão feliz com aquele sorvete. Para ela, o sorvete é o mundo, o paraíso, tudo.
Saímos anjos tortos assim? Há razão para isso – purgatório?
Tantos tentavam a capital mais nova do mundo.
E não sei a razão de me lembrar da Grécia.
Um beliche, um espelho.
Iria escrever para casa:
Mãe : acho que vai dar tudo certo”.
Aos 20 anos, era otimista.
Era?
(Brasília no início: esperança de tantos.
Nada parado, tudo em movimento.
 Olhava a terra vermelha, mais caminhões chegando, muita esperança nos rostos.
Na verdade: eu não sabia bem o que queria.
Vagar no mundo? Me estabelecer?
E- FOGUETES, ESPERANÇAS, FOGOS BDE ARTIFICIO: O CONJUNTO NACIONAL FOI INAUGURADO EM  21 DE NOVEMBRO DE 1971.
Era uma utopia.
Como um jogo de bilhar: não distopia.
Nos finais de tarde, em barracões, os candangos bebiam.
Mosquitos, redes, beliches – e alguém pega uma violão com saudades de  casa.
O domingo acabava, apenas uma sombra de sol no Planalto Central – havia agora mais silêncio (que não sei definir), estávamos longe de casa, nova semana, terra vemelha,  capital da esperança.
(BRRASÍLIA, MARÇO DE 2019)

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA