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terça-feira, 21 de abril de 2020

ODE À VIDA - VISLUMBRANDO JÁ O INEVITÁVEL FIM - NEVER FORGET

Ver um familiar partir, mesmo acompanhando e partilhando o seu lento e prolongado sofrimento, é muito doloroso, mas está-se junto a ele. Porém, saber da inevitável despedida dum AMIGO com quem nos entrelaçamos permanentemente num afecto empático, fruto duma plêiade de pensamentos convergentes, sem lhe podermos dar um abraço, é DILACERANTE.

Foi o que aconteceu durante a evolução da terrível doença do Emanuel Tadeu, cônscio pleno do seu inexorável destino.

QUERO AQUI, NESTA ÚLTIMA POSTAGEM DA SUA ÚLTIMA MENSAGEM REMETIDA PARA MIM PRECISAMENTE 27 DIAS ANTES DA SUA ÚLTIMA VIAGEM, DEIXAR O TESTEMUNHO DO SEU VALOR INTRÍNSECO, DA SUA LUTA INSANÁVEL COM A DOENÇA E DO SEU EMPENHO PELA LUTA ATINENTE À MELHORIA DO SEU AMADO BRASIL.
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PARA O DILETO AMIGO CARLOS, COM O AFETUOSO E SEMPRE GRATO ABRAÇO DO EMANUEL



NEVER FORGET” 
(“NUNCA ESQUEÇA”)

Neste dia em que o inverno começa, não queria pedir indulgência pela emoção.
Escuto “Never Forget”, com Michelle Pfeiffer, e lembro-me do morango com nata que mamãe fez para mim quando passei no Exame de Admissão (não existe mais) no “Colégio Catarinense”, na Ilha, e iria para o Ginasial (também não existe mais).
Da letra: “Você está em casa”.
Nasci tarde demais.
“Diga que vai me entender”.
Revi mais uma vez “Meia Noite em Paris” (“Midnight in Paris”), de Woody Allen.
O tempo melhor de nossas vidas será sempre o que não vivemos: o outro – além.
Recordei-me de um diálogo de um filme em que um personagem, ironicamente, pergunta a outro se ele é um “suicida”.
O interlocutor responde de bate-pronto: “Só de manhã”.
E era o horário do dia que eu mais amava – havia um ritual, abria as cortinas do quarto e dizia: “Bom dia, dia”.
Bom dia, dia.
Querem saber (relevem o vitimismo) o que é um câncer doloroso e incurável:
A Velha Companheira, a Indesejada das Gentes na soleira da porta para me dar o bote, e eu espero, vivo esperando, vivo achando que sempre falta alguma coisa.
Afinal, o que é o câncer incurável? É isso. Ser suicida de manhã (a gente não se mata não), para mim a hora que mais dói (literalmente, não é dor metafórica ).
Meu (hipotético) Pai: Poupe-me das dores físicas, que das morais eu mesmo cuido.
“Amor e saudade estão estáveis”.
Recordei-me de uma discussão sobre a Misericórdia Divina e a Raiz do sofrimento e do Mal entre dois padres jesuítas cultos no início da década de 60, no “Colégio Anchieta” – onde fiz o antigo Curso Clássico, também estudei com Bolsa de Estudos (como no “Catarinense” em Florianópolis), em Porto Alegre.
O Sofrimento é um Mistério? É. Mas a constatação não me satisfaz.
Por que Deus teria feito os homens tão imperfeitos?
E a raiz do Mal? – insisto.
Vi aos 20 anos uma criancinha numa cadeira de rodas e aquilo nunca me saiu da cabeça.
Penso em Franz Kafka e Albert Camus – santos de minha imensa devoção – e constato: O Absurdo é a evidência que desperta.
Quando eu tocava no assunto, todos retrucavam: “Esqueces do Livre Arbítrio”.
Resta-me escutar de novo “Never Forget.
Uma voz mais forte me adverte: “Não seja chorão”.
Um homem de verdade enfrenta a morte de frente, olha nos seus olhos, bem lá dentro e deverá dizer: avante.
Michelle canta pungente e suavemente.
Por favor, escutem (a letra e a música).
O morango com nata, com um suco de maracujá, uma regata, o rosto de minha mãe, ela no fogão de lenha, posta de tainha frita, pirão d’água, e essa emoção que inunda esta manhã – ria, sem lágrimas.
Rio, com lágrimas...
Sentimental demais.
Estou segurando este meu Inimigo Íntimo há quatro anos, cinco meses e vinte e um dias.
Alfredo David, meu sobrinho e amigo, tão iluminado e amado, faria hoje 60 e foi-se com 28 anos.
Os mais brilhantes de uma geração carregam nas mãos uma vela que queima mais rápido?
Alguém me perguntou se minha geração – a de 1945, do final da guerra, fracassou.
Se quiser ser sincero, diria que internamente meus companheiros, meus melhores amigos, fizeram o que amaram: foram professores, editores, escritores, cineastas, cientistas políticos, engenheiros, jornalistas, advogados, médicos, arqueólogos, enfermeiros, servidores públicos, dramaturgos etc.
Deu para o gasto – não sei se para o gosto...
No outro sentido, sim, fracassamos.
A injustiça que combatemos nos nossos eternos 20 anos, cresceu, como a brutalidade, a morte na tortura, a vitória (provisória?) novamente da ignorância, da xenofobia, do preconceito, do ressentimento, do horror à inteligência, do neopentecostalismo mais reacionário, das redes antissociais fundamentalistas, do individualismo feroz, e do que mais deplorei e deploro, até o último momento da minha vida: a desigualdade torpe e obscena.
(Quero dizer eu tenho alguns amigos evangélicos autênticos e íntegros – não sou dono da verdade.)
VIVEMOS NO BRASIL E NO MUNDO UM PROCESSO DE REGRESSÃO CIVILIZATÓRIA.
Tomo os remédios, cuidam de mim, ainda como tainha frita, nata raramente encontro, e minha memória parece uma alameda de mortos – amigos tão amados.
E Michelle canta: “Jamais te esqueceremos”.
Ela proclama: “Você vai voltar para casa”.
Casa. Casa.
“Lembrei de todos os dias do sol de verão antes do inverno chegar”.
“Jamais vamos te esquecer.”

UM DIA ESTAREMOS TODOS EM CASA.
"Todas as imagens serão calcinadas pelo tempo. No máximo, nas conversas em volta de uma mesa de festa, pode ser que alguém lembre-se de uma parenta morta. Seremos apenas um nome, cujo rosto vai se desvanecer até desaparecer na massa anônima de uma geração distante". (Annie Ernaux).
E alguém acrescenta: "Nada restará de ninguém; Mas até lá, até o fim, até o nada, dará para compartilhar gestos, cidades, sentimentos, raciocínios, lágrimas, o mundo. Será possível sentir o que é comum a todos, a solidão".
Já foi muito repetido (justamente cristalizado): a arte nos salva, nos legitima.
Recordo-me do grande escritor negro norte americano James Baldwin (1924-1987): ”O riso e o amor vêm do mesmo lugar, mas pouca gente vai lá".
(Brasília, junho de 2019)

 EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

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                                          (Minha mensagem a esta Ode)

A Vida é definida como sendo o espaço temporal do nascimento até ao último suspiro. Assim será contigo, comigo e com todos. Aproveitemos os intervalos mesmo sabendo que muitos espinhos se atravessam à nossa frente, alguns irremovíveis,

Sobre o momento actual do Brasil, o Psicopata de Turno e seus acólitos cairão como fruta podre ... outros tempos virão desde que não se esmoreça na luta. Citando o nosso grande beirão Aquilino Ribeiro: SÓ ALCANÇA QUEM NÃO CANSA!

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                                        (Sua réplica)
ASSINO EMBAIXO TUAS ARGUTAS E LÚCIDAS OBSERVAÇÕES.
TAMBÉM CREIO: O PSICOPATA DO TURNO - USANDO A TUA FELIZ EXPRESSÃO - E SEUS SÓRDIDOS CÚMPLICES" CAIRÃO COMO FRUTA PODRE".
SIM: NÃO PODEMOS ESMORECER NA LUTA.
AVANTE!

PERFEITO O PENSAMENTO DE AQUILO RIBEIRO!


FRATERNO ABRAÇO DO EMANUEL

                      

terça-feira, 14 de abril de 2020

CARTA DE TITO GUARNIERE PARA EMANUEL

PARA O O CARO AMIGO CARLOS MOTA, ENCAMINHO BREVE CARTA DE NELSON WEDEKIN   (que assina com o pseudônimo de TITO GUARNIERI) A MIM ENVIADA.

INFORMO QUE NELSON WEDEKIN FOI ÍNTEGRO E COMBATIVO DEPUTADO FEDERAL  E SENADOR POR SANTA CATARINA - MEU ESTADO NATAL, LOCALIZADO NO SUL DO BRASIL.
REALIZOU UM EXCELENTE E DIGNO TRABALHO, SEMPRE NA DEFESA DAS MELHORES CAUSAS DO POVO BRASILEIRO.

GRATO PELA LEITURA E EVENTUAL POSTAGEM NO BLOGUE.

FRATERNO E GRATO ABRAÇO DO EMANUEL (Nota minha: falecido em 29 de Julho de 2019)

terça-feira, 25 de junho de 2019


Caro Emanuel :
Que pena, Emanuel, que logo você, que me falou um dia de uma manhã azul, e me tocou tanto, agora  as manhãs são  as que mais doem.
Mas, desculpe, não fico penalizado. Tenho-o da conta de um homem elevado e corajoso. Claro, não a ponto de amenizar a dor física. A ninguém ainda foi dado tal privilégio. E é fácil, à distância, só com as dores da idade (que no meu caso não são tão dramáticas) fazer comentários a respeito.
Em todo o caso, Emanuel, admiro tua paciência, teu estoicismo - tua lucidez e tua -de novo - coragem.
Belo texto, palavras certeiras, estilo íntegro, que nem a doença logrou alcançar.  Tua escrita é, por assim dizer, o sinal mais forte de que ainda estás de pé. Sei que existem os sentimentos, as doces lembranças, o convívio amoroso com os teus. Sei que devem existir momentos de desânimo. Não sei quando partirás - espero que ainda tenha um bom trecho da estrada. Mas precisas saber que, de algum modo, deixarás um legado, de gestos, palavras, atitudes - sonhos sonhados e desfeitos, esparanças vívidas e realidades decepcionantes. O que importa , já disseram tantos, é a caminhada, não o destino final.
Nós sempre teremos a nosso favor o sorriso largo e o riso solto, a filosofia fácil e a que não se compreende bem, a  bisbilhotagem infantil, as nossas previsões catastróficas, o otimismo contido, o nosso amor à vida, as paixões secretas e as que não dava para disfarçar,  a nossa discreta proteção dos amigos(ignorando os seus-deles-erros e defeitos), perdoando aqui e acolá  mas não esquecendo, derramando uma lágrima sutil de emoção da cena do filme, do acorde da música, da rima poética, do texto que  gostaríamos de ter escrito(mas que coube a outro mais telantoso), dos nossos tropeços, dos nossos êxistos modestos, dos nossos medos - bem, Emanuel, de tanta coisa, como aquelas que você descreve a fala no teu texto.
"Nunca esqueça" - , leio o título e me vêm a cabeça o que disse alguém ( não tenho facilidade para as citações , como você ): " Quando eu era mais novo, me lembrava muito bem do que tinha acontecido e do que não tinha acontecido. Agora, a caminho da velhice, sinto que só me lembro do que não aconteceu". (a citação é mais ou menos assim, não é literal). 
D'ont forget, dear friend, que neste lado de baixo do mapa deste país tão esgarçado nos seus dramas e nas suas contradições, há gente como eu que reza e torce pela vida, que deseja ardentemente e reza pela teu bem estar e pela tua saúde.

Abraço do N.Wedekin

quarta-feira, 8 de abril de 2020

AVES DE RAPINA

AVES DE RAPINA
Em memória do poeta Juan Gelman*

Os shoppings são a antiga Ágora grega – o coração da cidade.
Globalização? Da indiferença?
Cabeças decapitadas, império do tráfico.
Um menino me indaga; “O mal está vencendo?”
Olho fixamente nos seus olhos: “Está”.
Consolo-o: “Mas não será para sempre.”
Sociedade do espetáculo, e o templo é de consumo – não para orar.
O que significa isso tudo?
Desejo do tênis de marca?
Ou de proclamar: “também existimos”. Grito contra a exclusão, voz dos que não têm voz – a periferia berrando? Não sei. Sei que a baixar o cacete não resolverá. A medida de valor ainda é o dinheiro, a cor da pele.
Desigualdade? Sim. Viramos apenas consumidores. Não cidadãos.
Fim de tudo? De sonhos, ilusões, projetos? Ou não é nada disso.
Será necessária uma funda reflexão sobre o rebaixamento da política no Brasil, onde imperam as manadas, seitas e torcidas organizadas, que não atuam – como já detectaram vários observadores – não em função de suas propostas e de seus projetos, mas apenas para a desqualificação dos que pensam de forma divergente.
“As manadas funcionam como seitas messiânicas submissas às redes sociais”.
Ou redes antissociais?).
E um mundo dessacralizado – sem fé.
“O presente é tudo o que tens como tua possessão. Como Jacó fez com o anjo: retém-no até que ele te abençoe”.
(John Greenleaf Whittier.)
*Juan Gelman morreu no México, em 14 de janeiro de 2014, o poeta e jornalista argentino Juan Gelman. Durante a ditadura militar argentina (1976-1983), Gelman teve o seu filho ((Marcelo) assassinado. Sua nora, Maria Cláudia, foi sequestrada enquanto estava grávida e levada ao Uruguai pela “Operação Condor”. Nesse país, deu à luz e desapareceu. A filha do casal (Macarena) foi entregue a um policial uruguaio e só teve a identidade revelada em 2000.
Grande parte da vida deste grande poeta e humanista foi dedicada (com comovente paixão e intensidade) a esclarecer o que havia ocorrido (com sua família e com o seu país), naqueles tempos tão sinistros e sombrios.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

quarta-feira, 1 de abril de 2020

PELOURINHO

PARA O O ESTIMADO AMIGO CARLOS, ENVIO UM TEXTO SOBRE O PELOURINHO, EM SALVADOR - AGRADECENDO ANTECIPADAMENTE A INSERÇÃO NO BLOGUE -, COM A AMIZADE E GRATIDÃO DO EMANUEL

PELOURINHO
PELOURINHO: PATRIMÔNIO AMEAÇADO

Muito acreditam que o Pelourinho é o monumento histórico mais importante da História do Brasil. Ele está ameaçado.
O Centro Histórico de Salvador (CHS) é considerado o patrimônio histórico que está mais em risco no Brasil, na visão da organização sem fins lucrativos “Worls Monuments Fund” – que trabalha pela proteção de monumentos e patrimônios do mundo –, com sede em Nova Iorque, nos EUA, como lembrou matéria de Hieros Vasconcelos Rego.
Para a organização, o CHS é um dos patrimônios mais ameaçados pelo descaso governamental ou pela ação da natureza.
A ONG aponta para a “vulnerabilidade da região”, com economia em declínio, criminalidade e infraestrutura decadente.
O Pelô (como é conhecido) virou também paraíso de “craqueiros”.
Vivi oito anos em Salvador e pude acompanhar a degradação do Pelourinho e de outros sítios fundamentais para a memória e a História do Brasil.
Os comerciantes e turistas e –- PRINCIPALMENTE – OS VIVENTES DAQUELE ESPAÇO DE NOSSA MEMÓRIA –reclamam constantemente da situação em que ele se encontra.
O sociólogo George Almeida acredita que áreas que têm uma só vocação – como o turismo –, caso do Pelourinho – estão fadadas à deterioração.
É preciso dialogar com os moradores, não enxotá-los.
É necessário fazer algo enquanto é tempo.
É um dos mais belos patrimônios da História do Brasil que está sendo abandonado.
COMPLEMENTO: Com uma foto da invasão da Nova Constituinte (uma favela no subúrbio de Salvador), a versão online do “The New York Times”, publicou, há tempos, a matéria “As Prosperity Rises in Brazil’s Northeast, So Does Drug Violence” (“Assim como cresce a prosperidade do Nordeste do Brasil, cresce a violência das drogas”), de autoria de Myrna Domit.
Fala da violência de Salvador, o que – conforme detectou um jornalista – marca um novo tempo nas abordagens dos norte-americanos sobre a Bahia.
“Antes só dedicava espaço sobre nossas belezas naturais”.
Muitos preferem optar pela visão estereotipada, enganadora e carnavalesca da cidade da Bahia –como Jorge Amado chamava Salvador –, que enriquece cada vez mais o “andar de cima”, estimula o “apartheid” e empobrece cada vez mais os humilhados da cidade mais negra do Brasil e uma das mais negras do mundo– afora as metrópoles africanas –, e na qual o racismo (parece exagero) ainda prevalece,
Essa visão “colorida” e falseada, visa trair turistas (muitos deslumbrados) e, no fundo, incentivar o turismo sexual em todos os níveis (como o de crianças e adolescentes).
Quem vive o dia a dia da cidade sabe que a visão das grandes redes de televisão e da própria mídia impressa, é mentirosa e aposta na enganação.
Aos poucos, começam a enxergar o lado macabro.
Em suma: a violência – banalizada no Brasil toda – está migrando para todo o Nordeste brasileiro.
Vivemos em uma cidade também porque a amamos e desejamos continuar nesse território. A perda de um espaço público com a magnitude cultural do Pelourinho, “debilita a sociabilidade, rebaixa a nossa autoestima, cava um lugar para a dor no nosso corpo”.
Tanto mais quando uma cidade, ou parte dela, ganha foros de Patrimônio  Cultural da Humanidade - como Salvador; 

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

quinta-feira, 26 de março de 2020

MÁRIO FAUSTINO

CARO AMIGO CARLOS
BOM DIA!
SAUDAÇÕES!
ENVIO UM CURTO TEXTO SOBRE UM DOS MAIORES POETAS BRASILEIROS DE SUA GERAÇÃO - POUCO CONHECIDO E QUE MORREU COM APENAS 32 ANOS: MÁRIO FAUSTINO.

GOSTARIA QUE OUTRAS PESSOAS CONHECESSEM A SUA OBRA.

O BRASIL CONTINUARÁ A SER O PAÍS DO ESQUECIMENTO?

Fraternal e grato abraço do Emanuel

MÁRIO FAUSTINO (1930–1962)

Não conseguiu firmar o nobre pacto/Entre o cosmos sangrento e a alma pura/Porém, não se dobrou perante o fato/Da vitória do caos sobre a vontade/Augusta de ordenar a criatura/Ao menos: luz ao sul da tempestade./Gladiador defunto mas intacto/(Tanta violência, mas tanta ternura).” (...)
(MF)
Tão cedo morreu. E foi um dos maiores poetas de sua geração. E um dos temas mais obsessivos de sua obra foi a morte.
“Não morri de mala sorte/Morri de amor pela Morte”, escreveu ele.
Nasceu em Teresina, mas a maior parte dos seus estudos foram feitos em Belém.
Foi jornalista, tradutor, crítico literário e poeta.
Em 1955, publica seu primeiro e único volume de poemas: “O Homem e sua Hora”.
Em 1956, muda-se definitivamente para o Rio de Janeiro.
Torna-se editorialista do “Jornal do Brasil” e colabora com o famoso Suplemento Dominical (SDJB).
Um dos seus lemas foi: “Repetir para aprender, criar para renovar”.
Diz a lenda que ele pressentiu sua própria morte.
No início da década de 60, uma astróloga pressentiu uma catástrofe nos anos que viriam (segundo relato de Almir de Freitas).
Sua reação teria sido, inicialmente, um tanto cética.
Em 1962 – segundo informes – adiou o quanto pôde uma viagem para a Cidade do México e, quando finalmente decidiu embarcar, deixou à sua mãe e cunhada instruções minuciosas de como proceder no caso de um “desastre”.
No dia 27 de novembro de 1962, perto das 5h30, o Boeing da Varig em que estava preparava-se para uma escala em Lima, no Peru, quando espatifou-se no Cerro de La Cruz, matando todos os passageiros. Seu corpo nunca foi encontrado.
Assim, aos 32 anos, desaparecia um dos maiores talentos de sua geração.
Glauber Rocha (1939–1981), no seu belo e denso “Terra em Transe” (1967), homenageia-o transcrevendo os versos citados na epígrafe deste texto.
Sua morte, segundo Almir Freitas, abriu um vazio na inteligência brasileira.
Creio que sua obra, mereceria uma análise mais longa e densa.
Mas meu maior intuito é que as novas gerações possam conhecê-lo, pelo menos superficialmente.
Ironia (como quase sempre acontece na vida): contam que a casa em que viveu em Teresina foi demolida e lá foi instalada uma agência da Varig – a mesma empresa cujo Boeing em que ele estava, espatifou-se nas montanhas em 27 de novembro de 1962.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

quinta-feira, 19 de março de 2020

RUGGERO

ESTIMADO CARLOS
SEI QUE NÃO É ÉPOCA DE ENVIAR TEXTOS. FESTAS.
MAS NÃO QUERIA TERMINAR O ANO SEM TE REMETER O CONTO-REPORTAGEM INÉDITO.
É UMA MEDITAÇÃO SOBRE A OPÇÃO POLÍTICA, SOBRE OS SONHOS E FRACASSOS DE MINHA (nossa?) GERAÇÃO.
Sem imodéstia, trabalhei muito nele.

MUITO GRATO PELA EVENTUAL INSERÇÃO NO BLOG!
Afetuoso e grato abraço do Emanuel

 
RUGGERO

Em memória de Maria Aparecida (Cida) e Arnoldo Castanho de Almeida – irmã, cunhado, compadres – imensos e eternos amigos (dos maiores que já tive em minha vida) –, “encantados”, respectivamente, em 8 de outubro e 12 de julho de 2018

Lembro-me do padre jesuíta italiano Ruggero – tão alto – a gente varando noites, conversando sobre Teilhard de Chardin (1881-1955), Soren Kierkegaard (1813-1855), existencialistas cristãos como Gabriel Marcel (1889-1973) – que rejeitava o termo “existencialismo” –, Emmanuel Mounier (1905-1950) – fundador da revista “Esprit” –, agnósticos e ateus, como Albert Camus (1913-1960), Jean Paul Sartre (1905-1980), e marxistas como Maurice Merleau-Ponty (1908-1961).
No final – sempre no final – ele arrematava:
– Nunca te esqueças da Misericórdia Divina.
(Ele era sempre profundo, mas – nesta frase – queria ser abertamente “solar”.)
MISERICÓRDIA DIVINA.
Ele acreditava que eu era possuidor de uma “fé forte e cósmica”, mas que o tempo, as leituras e as dúvidas me afastaram dela.
– Quero te dar mais ÂNIMO, e falava mais alto e soletrava a palavra “ÂNIMO”.
Ria, me abraçava.
Ruggero era muito culto, leitor voraz, mas sua sabedoria maior era a simplicidade.
Tomávamos vinho, assistimos juntos duas vezes “O Sétimo Selo”, 1957, (“Det sjunde inseglete”) ”Morangos Silvestres” (Smultronstället”), 1957, de Ingmar Bergman (1918-2007).
Também vimos várias vezes a “Rastros de Ódio” (“The Searchers”), 1956, de outro grande mestre: John Ford (1894-1973).
Gostávamos muito também de Orson Welles (1915-1985) e assistimos algumas vezes “A Marca da Maldade” (“Te Touch of Evil”), 1958, que admirávamos muito, até mais que “Cidadão Kane” (“Citizen Kane”) 1941 – por muitos considerado o melhor filme de todos os tempos.
Um dia, ele morreu.
Tinha um carinho enorme pelos “humilhados e ofendidos da terra”, como dizia, pelos pobrezinhos, pelos sem nada.
Modesto, batina puída, evangelizava operários em comunidades pobres de Porto Alegre e pescadores em Florianópolis – não era amado pelos hierarcas, poderosos e conservadores da Igreja– afora a burguesia da capital gaúcha e da Ilha do meu nascimento.
Estávamos na década de 50 do século passado.
E um dia– parece incrível – fui eu a consolá-lo.
Triste, ferido com injustiças e perseguições (que não relato aqui), aquele sacerdote loiro (parecendo um camponês do interior de Santa Catarina), de quase dois metros, desajeitado, possuidor de um coração maior que ele, morando em uma casinha simples de madeira, num bairro humilde de Porto Alegre (antes estivera durante dois anos em Ponta das Canas, em Florianópolis, praia bela do Norte da Ilha de Santa Catarina, minha terra natal – ainda aprazível, pregando para os pescadores, dando para os pobres até a roupa do corpo, dividindo tudo o que tinha.
Foi o primeiro padre socialista que conheci – visceralmente autêntico.
Sempre achei que ele nascera na época errada. Deveria ter vivido na época das Catacumbas, levando a palavra de um Jesus pobre e libertador contra o Império Romano.
Resolvemos entrar na AP (Ação Popular) – organização originária da esquerda católica –, mas isso é outra história.
Ele lembrava-me o corajoso Padre Nando, do romance ”Quarup”, 1967” (um dos mais belos da literatura brasileira), de Antônio Callado (1917-1997) que, no final, opta pela luta armada no combate à ditadura militar.
Escrevi acima: Um dia, ele morreu.
Qual a causa (indagam)? Foi “pelo coração” – ataque cardíaco. Mas acho que morreu de tudo, de tudo um pouco, devido às perseguições sofridas, às injustiças que percebia no tão imperfeito mundo, à inveja de que foi vítima, difamado por tantos seres medíocres e mesquinhos.
Havia abandonado a batina, voltou para a Itália, mas retornou ao Brasil para se despedir.
Então, já era um velho, cabelos brancos, parecendo mais baixo, o olhar azul mais triste.
– “Desta vez, fui eu quem perdi a Fé”, me confessou.
Tentei animá-lo, não falando em igreja, “reconversão”, nada. Mas nos filmes que havíamos assistido juntos.
– Não há nada depois daqui, ele disse.
“Depois daqui” era depois da vida terrena– é claro (sinto-me agora redundante).
Hoje, no crepúsculo da minha vida, doente, vejo o seu rosto. É um retrato que mandei emoldurar.
Mostrava o momento de um churrasco numa chácara em Viamão, com poucas pessoas, eu, Décio Andriotti (que morreu em Milão, aos 85 anos, em 29 de abril de 2018, um domingo), Eduardo Dutra Aydos, Rogério Scanzerla (1946-2004), e sua então mulher Helena Ignês.
1969. Rogério fora lançar em Porto Alegre, no extinto “Cine Marrocos”, no bairro Menino Deus, o seu hoje clássico “O Bandido da Luz Vermelha” (1968).
Tomamos vinho, ríamos muito. Era a celebração da amizade.
Devo ao Décio – meu professor no antigo Ginasial (1958-1961) do “Colégio Catarinense”, em Florianópolis –, ao meu ex-professor no Clássico (1962-1964), “Colégio Anchieta”, Porto Alegre, também jesuíta (nos dois educandários estudei com bolsa de estudos), a o Roberto Figurelli, ao Paulo Fontoura Gastal (1922-1996), minha paixão pelo cinema. Em ambos, tinha bolsa de estudos.
Ruggero, para mim, era um “romântico crepuscular”.
Ele achava o mesmo de mim.
Ofertou-me ÂNIMO – com seu enorme coração e compaixão – e não está mais aqui.
Mas não restou o oblívio. A fé vai e volta. Aparece, desaparece. Está mais longe da infância do que eu mesmo. Do que eu queria. Do que meus pais aspiravam. Tenho culpa? Deus perdeu o meu passaporte? Do meu país? Estou sentimental demais?
Ele era daqueles seres que só aparecem de vez em quando. Muito poucos homens chegam como tu, Ruggero.
Nunca te esquecerei. Devo a ti o que chamo de “HUMANISMO EM TEMPOS ÁSPEROS E DISTÓPICOS”.
Sinto-o (RUGGERO) presente – como vários amigos já mortos – em muitos momentos (a maioria) desta vida – na sua reta (ou curva) de chegada.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

terça-feira, 10 de março de 2020

AMIZADE

AMIZADE


Era só amizade. Ela não tinha paixão por mim, eu também só a queria como amiga.
As pessoas não acreditam que isso possa existir.
Assim, não liberávamos os “baixos instintos”, como em certas estórias de “amor”:
ciúme, raiva, posse, agressão etc.
Sempre caminhávamos.
Era uma manhã de sol pleno, maio, Planalto Central do país.
Alice tinha uns olhos “de verdade”. Seus interlocutores não a enganariam com facilidade.
E ela pegava na veia, ia direto ao ponto:
– “O que é pior: o câncer ou a tortura?”
A tortura.
– “Por quê?”
A tortura “fica” para sempre. O câncer, mesmo com reza brava, mata.
Ela parecia estar compadecida.
Eu temia cair na autopiedade.
Lembrei do que um cineasta dissera, quando indagado se acreditava no inferno “cristão”.
Ele não respondeu que o inferno era aqui mesmo.
Mas para ele, o inferno não existiria – seria apenas um mito.
O inferno era a ansiedade e a depressão – disse.
Alice complementou: “E a insônia”.
Eu iria dizer – mas pareceria pomposo: e a injustiça.
Mas a injustiça não era um inferno em si, mas uma espécie de “antivalor”.
– “Nas estórias, as pessoas dizem frases heroicas, retumbantes, na hora de morrer”,
ela disse.
Eu olhei para ela, uns bonitos olhos azuis, alta, magra.
Complementou:
– “O que você diria?”
Repetiria mestre Machado de Assis no sexto capítulo do seu romance “Quincas Borba”: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
– “Você é um romântico confesso: não diria isso”, Alice riu.
“Espírito Santo, entra na minha vida”, reivindicava meu pai, e dizia que, durante a existência, eu deveria pedir o mesmo. Ele era autêntico.
Alice perguntou:
– “Entrou?” – o Espírito Santo.
Fingi que não tinha escutado a indagação.
“Espírito Santo, toca a minha vida”.
– “Tocou?”
“Espírito Santo, renova a minha vida”.
– “Renovou?”
Não fingi mais que não havia escutado.
Disse:
Talvez Ele tenha deixado para fazer tudo isso na Hora Suprema.
Eu driblara a morte algumas vezes, mas ela ganharia sempre: tinha todo o tempo do mundo.
– “Vão te chamar de pessimista...”
Eu já estou acostumado. Só escrevo o que sinto. Não sou relações públicas nem marqueteiro.
Meu pai acreditava que o Bem iria vencer. Mas muitas vezes advertiu: “Não
subestimes a força do mal, meu filho”.
Subestimamos. Quebramos a cara.
Eu falei: Alice, quando passo por jardins de infância, vendo crianças muito pequenas, fico pensando nelas – não agora, mas no futuro.
– “Você sempre procurou entender a genealogia do Mal”, ela disse.
– Por essa razão sempre li Dostoiévski, tentei brincar.
E pensei nesta gênese, através de Stavrogin – o personagem do escritor russo, em “Os Demônios”.
Seminal? Niilista total. Ele era tão forte que não conseguia defini-lo.
Foi um personagem premonitório que “antecipou” a Revolução Russa?
Não saberia dizer.
– “Citas muito”, falou Alice.
– “Quem não te conhece, poderá dizer que és um ‘filósofo de boteco”, complementou.
Eu iria dizer: não ligo. Mas me importava sim.
Ela percebeu o meu desconforto e tentou suavizar.
– “Essa autenticidade total é impossível”, Alice comentou.
– “Queres captar tudo, sentir tudo, como uma esponja que tudo absorve”.
Fiquei em silêncio.
– “Muitos poderão pensar que é mera erudição, em uma estória na qual nada acontece”, reforçou.
Simulei um sorriso – era mais uma careta.
Ela olhou para mim.
– “Ficaste chateado ou aborrecido?”
Não.
– “E depois de Dostoiévski, buscaste entender ai culpa sem sentido”.
Sim: gosto muito de Franz Kafka.
E busquei entender o pecado e a Graça – redenção – lendo o cristão Graham Greene.
Mas na hora final, Alice, tentarei levar comigo a imagem de um berço, olhando, pedindo que alguma “força maior” protegesse uma menina, ainda um bebê e, anos depois, um menino.
Não ficaram comigo, mas essa imagem ficará para sempre – colocava música numa vitrola para eles, sim, rezava.
Ela agora é adulta, ele adolescente.
Iria falar em “perdas”, mas temi cair no sentimentalismo e no vitimismo.
Seria piegas se caísse na queixa.
Ela riu de novo, me beijou no rosto, nos despedimos, a manhã terminava, as crianças saíam da escola, cada um com suas vidas – era apenas mais um dia, um dia nas nossas existências – que passaria também, e não sei a razão, em casa, fiquei olhando – e
contemplando mais – uma foto emoldurada dos meus pais mortos.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

Nota: Segundo informação do Emannuel, aquando do envio para mim, este Poema está publicado na Revista ANE,

terça-feira, 3 de março de 2020

ANALFABETOS FUNCIONAIS

ANALFABETOS FUNCIONAIS

Como votar com consciência e não ser ludibriado por marqueteiros muito bem pagos, nem ser enganado por "Fake News", que inundam as redes sociais?
É preciso saber onde pisamos.

Três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no País - 27 por cento do total, o equivalente a cerca de 38 milhões de pessoas - são considerados analfabetos funcionais.
Como esclarece matéria de Isabela Palhares e Juliana Diógenes, esse grupo tem muita dificuldade de entender e de se expressar por meio de letras e números em situações cotidianas" (...).
O estudo foi realizado pelo Ibope Inteligência, e desenvolvido pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro. 
Nessa faixa de 29 por cento de brasileiros classificados nos níveis mais baixos de proficiência em leitura e escrita, há 8 por cento de analfabetos absolutos (quem não consegue ler palavras e frases).
Os outros vinte e um por cento estão no nível considerado elementar (não localizam informações em um calendário, po exemplo).

Poderia desenvolver mais um tema tão importante. 
Mas não quero cansar o leitor - já saturado de tantas informações (falsas ou verdadeiras).
Mas lembro do diagnóstico de Ocimar Tavares, professor da Faculdade de Educação da USP: "Não há politicas consistentes e inteligentes na educação de jovens e adultos. Não têm condições pedagógicas - um exemplo são as salas superlotadas. E muitas políticas são interrompidas".

ELEIÇÕES
Como disse alguém, difundir ideias sob o manto do anonimato de quem pagou para difundi-las "não é apenas um crime, é um atentado à democracia, o vale-tudo em eleições".
Muito dizem: "a gente faz o diabo". 
Mas o diabo mora nos detalhes e "costuma se voltar para quem os soltou".

EXPLICAR
"É dificil explicar para o sujeito cujo ganha-pão  é não entender o que você está tentando explicar".
(Upton Sinclair - 1878/1968

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

AMANTE DA DITADURA

Para o amigo Carlos, agradecendo a generosa (se for apreciado o texto), a inserção do texto curto no blogue.
Gratidão e afeto do Emanuel (Nunca (ou quase nunca), os democratas brasileiros (e do mundo todo) precisaram estar tão unidos!

AMANTE DA DITADURA

PARA TODOS OS DEMOCRATAS BRASILEIROS E UNIVERSAIS
1) Na entrevista que o repórter da revista “Time”(dia 22 de agosto), jornalista Matt Standy, fez com Jair Bolsonaro, ele escreveu que o candidato, autocrata, amante da ditadura, “defende a possibilidade de violência desenfreada do Estado. Iguala homossexualidade à pedofilia; apoia o ditador sanguinário chileno Augusto Pinochet, cujas capangas estupravam mulheres com cães”.

A revista ouviu Anthony Pereira, do King’s College de Londres: “Uma coisa é os EUA terem uma presidente pária. Seria outra para o Brasil. Este é provavelmente um dos maiores testes que a democracia já enfrentou”.
(Baseei-me também em informações do jornalista Nelson de Sá.)

2) A Terceira Turma do TRF (Tribunal Federal da Terceira Região), decidiu no dia 22 de agosto que A REPARAÇÃO POR DANOS CAUSADOS POR TORTURA A MILITANTE POLÍTICO DURANTE A DITADURA MILITAR É IMPRESCRÍTIVEL.
Ou seja, não perde efeito por conta de extrapolar um prazo legal.
A ação ofoi proposta pelo Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP contra a União e o Estado de São Paulo.

O alvo da violência dos militares foi o estudante Márcio Nascimento Galvão, preso por integrar a organização APML (Açao Popular Maxista Leninista).
Em 1971, ele ficou um mês aprisionado.
Mais tarde, Galvão foi inocentado pelo próprio Tribunal Militar.
Após a soltura o estudante foi perseguido, sofrendo consequências como dificuldade de arrumar trabalho.
(Agradeço as informações prestadas pelo jornalista Walter Nunes.)

NOSSA DEMOCRACIA – mesmo que não plena, “formal – nossa democracia, raras vezes sofreu um ataque tão sistemático e dirigido pelo protofascismo ou pelo fascismo propriamente dito.
Cabe aos brasileiros de boa vontade, democratas sinceros, não se omitirem e usar todos os instrumentos de que dispõem (como a PALAVRA) para que as trevas não voltem.
As gerações mais novas não estão informadas dos efeitos dolorosos e infamantes do Golpe de 64.
Na medida do possível, é nosso dever esclarecê-las.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

Nota: Fui informado no momento do envio que este Artigo também se encontra inserido no Blogue

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

MEMÓRIA E LINGUAGEM

Para o amigo Carlos, com o abraço do Emanuel

"Memória e Linguagem"

Em Memória de João Otávio Neves Filho (Janga)

Quero falar da memória não como algo mecânico, mas como base de toda a identidade.
Memória como instrumento de justiça e de misericórdia.
Não por acaso, na mitologia grega, Mnemosina, a memória, é a mãe das Musas, ou seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida.
Sim, ela protege a vida do nada e do esquecimento.
A literatura não deixa de ser (também) um instrumento de transfiguração de um momento (eternizar a memória).
Uma busca de perenizar o instante para convertê-lo em sempre.
O ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para as vítimas do mal e do esquecimento.
Muitas vezes, indivíduos e povos desapareceram no silêncio e na escuridão.
Muitos devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias dos banidos querem, em verdade, apagar a sua memória.
A memória é resistência a um tipo de violência: àquela infligida às vítimas do esquecimento.
A memória é o fundamento de toda identidade, individual e coletiva.
Guardiã e testemunha, a memória é também garantia da liberdade.

A linguagem é edificada para a construção dos textos que querem eternizar nossa brevidade, a nossa finitude.
Como observa a filósofa e historiadora, Regina Schöpke, “quanto mais inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige.”
Os filósofos e filólogos sabem disso.
Estes últimos, veem nela não apenas uma ferramenta da razão para dar conta do mundo, mas, sobretudo, uma segunda natureza.
“Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o representa”, como observa a autora citada.
Os gregos já enfrentavam a questão.
Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo – chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda metáfora”.
Porque aí os homens lidavam com conceitos e não apenas com o mundo em si.
A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História.
Todo sistema com ambições totalitárias, como detectou a pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma mitologia e palavras de ordem.
É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche, Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a sua plenitude.

Tento meditar sobre esses assuntos, entre outras razões, porque a falta do estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um tremendo vácuo cultural.
Fundou-se o universo utilitário, da posse imediata. Só vale o que tem valor contábil.
Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se apaixone pelo poder.”


Emanuel Medeiros Vieira (falecido em 29 de Julho de 2019)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

CASO HERZOG: MINISTÉRIO PÚBLICO REABRE INVESTIGAÇÃO

Com o abraço amigo do Emanuel Medeiros Vieira
CASO HERZOG: MINISTÉRIO PÚBLICO REABRE INVESTIGAÇÃO

“Num momento histórico de divulgação desenfreada de informações, a investigação histórica, comprometida com a fidedignidade, é fundamental”
(Marieta Ferreira)
Após a Corte Interamericana dos Direitos Humanos condenar o Brasil no começo de julho de 2018, por não investigar e punir o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, o Ministério Público – em 30 de julho – reabriu as investigações sobre o caso.
Uma investigação anterior do MP sobre a morte do jornalista,havia sido arquivada em 2009, com base na Lei de Anistia  de 1979, que “perdoou todos os que cometeram crimes” relacionados à ditadura militar

Porém, após duas condenações do Brasil pelo tribunal de direitos humanos – a primeira em 2010, pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, a segunda agora referente a Herzog –, o MP “adotou a posição de que estes casos deveriam ser levados novamente à Justiça”.
“Crimes cometidos por agentes do Estado fizeram parte de um ataque sistemático contra a população.
São crimes de lesa-humanidade. Isso foi confirmado pela sentença da corte. Por isso, esses crimes não são suscetíveis de prescrição e à anistia, afirmou Sérgio Suiama, procurador da República.
É preciso insistir: tais crimes NÃO PRESCREVEM. SÃO CRIMES CONTRA A HUMANIDADE.
 NÃO PODEM SER AMPARADOS POR QUALQUER LEI DE ANISTIA.
Como vamos construir a justiça  se não tivermos memória da injustiça?
A Corte Interamericana determinou que num prazo de um ano sejam prestadas informações sobre o cumprimento da sentença.
Ivo Herzog, filho de Vladimir, disse que é hora de reviver o passado para construir um futuro melhor.
É o que esperam não só os que foram vítimas do arbítrio da ditadura e as famílias dos mortos, mas todos os brasileiros que nunca deixaram de lutar em prol de uma Pátria cidadã e justa.
(Brasília, julho  de 2018)*
*Agradeço o eventual compartilhamento.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido em 29 de Julho de 2019)

NotaEste Artigo é já de Julho de 2018, mas, derivado à grande cadência de remessas que ele, o Emanuel, me fazia para publicação e considerando o ritmo temporal razoável para publicação, foram-se acumulando artigos que sempre postei um semanalmente. Chegou a vez deste, que, embora já está desfasado no tempo, o seu conteúdo é sempre actual.
Faço-o, mesmo assim, em memória deste GRANDE AMIGO que partiu após longo sofrimento, talvez o principal tenha sido o de ordem psicológica.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MORTE EM MANÁGUA

Artigo que me foi remetido para publicação por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA (falecido entretanto em 29 de Julho de 2019), e também publicado em um outro Blogue por ele citado - HOJE EM DIA
Morte em Manágua
Manoel Hygino 

Autoridades forenses nicaraguenses confirmaram que a estudante brasileira de medicina Raynéia Lima, de 31 anos, morreu por perfurações de balas no tórax e abdômen, após ataque supostamente de paramilitares. Eles atuam como força de repressão aos protestos que sacodem o país desde abril para exigir a saída de Daniel Ortega da presidência. Os mortos são além de 340, até agora, e o número de pessoas que perderam a vida cresce incessantemente. 
A brasileira vivia há seis anos no país, onde cursava o último ano de medicina na Universidade Americana, e acabou ferida quando o veículo que dirigia foi atingido por disparos no Sudoeste de Manágua, em área dominada por paramilitares ligados a Ortega.
O escritor catarinense Emanuel Medeiros Vieira, perseguido e preso no Brasil pela ditadura militar de cá, e que ora sofre com um câncer que lhe atormenta os dias, em Salvador (BA), onde reside, envia mensagem, em nome dos democratas da Nicarágua. Pede que se divulguem os clamores contra o massacre de que têm sido vítimas, os que são da Nicarágua ou que lá moram. 
Observa que, em 1979, todos os democratas apoiaram a Revolução Sandinista que derrubou a ditadura de Anastásio Somoza, não muito diferente, aliás, de muitas outras que dominaram as Américas do Sul e Central, digo-o eu.
A atual e violenta repressão de Daniel Ortega – que mudou de posição e optou por oprimir o seu próprio povo –, deixou ao menos 351 mortos em três meses de levante popular, mas continua no poder e sanguinário. Os estudantes o chamam de novo Somoza. Ele – traidor da revolução – aliou-se “à fatia mais reacionária e corrupta da elite nicaraguense”. 
A Conferência Episcopal do país convocou um jejum coletivo para condenar a violência. Os bispos dizem que será “um ato de desagravo pelas profanações realizadas nestes últimos meses contra Deus”, em alusão à tremenda repressão às manifestações – em geral pacíficas – “contra o tirano”, que fez da esposa vice-presidente. 
Os antigos integrantes do grupo formado nas Américas para derrubar as ditaduras de seus países desertaram. Sabe-se o que aconteceu com Cuba, buscando hoje nova vias para o povo e a economia nacional. No Brasil, Leonardo Boff condena os caminhos assumidos pelo ditador Ortega. Resta a Venezuela, falida em todos os sentidos. Até quando Nicolás Maduro resistirá?
Entre nós, o jornalista Clóvis Rossi, referindo-se à situação na Nicarágua, lembra Fidel em seu tempo idealista: “ah, velho Fidel, que tristeza ver que os sonhos que sonharam parcelas significativas dos jovens latino-americanos tenham sido soterrados por ditaduras”.
Fidel comentara: “chega já dessa ilusão de que os problemas do mundo podem ser resolvidos com armas nucleares! As bombas poderão até matar os famintos, os enfermos e os ignorantes, mas não podem matar a fome, as enfermidades e a ignorância”. 
A lição é válida também para outros armamentos, em todos os lugares do planeta. Enquanto isso, mais um brasileiro é morto, agora em Angola. Aguardemos.