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segunda-feira, 4 de março de 2019

DESERTO DO MUNDO (DO CORAÇÃO)

DESERTO DO MUNDO  (DO CORAÇÃO)

PARA AS MINHAS IRMÃS E OS MEUS IRMÃOS 

 “NON RIDERE, NON LUGERE, NEQUE DETESTARI, SED INTELLIGERE” 
 ”NÃO RIR, NÃO LAMENTAR, NEM AMALDIÇOAR, MAS COMPREENDER” 
                               BARUCH SPINOZA (1633-1677) 

Viagem, passagem, tempo – meros transeuntes no planeta. A comunicação pode ser (ou parecer) impossível, mas não desistimos dela. Pois “no deserto do mundo a única terra fértil é o coração do ser humano”, como acreditava Dom Helder Câmara. 
É fundamental a passagem da escravidão para a libertação. 
Acredito que todos nós percebemos os imensos avanços tecnológicos alcançados pela civilização. 
Mas eles não correspondem à vida interior das pessoas: regressões éticas, mentiras, corrupção desenfreada, os mais variados jogos da esperteza (maliciosamente confundidos comaautêntica criatividade – que nos faz crescer), a desilusão no coração humano, as dificuldades de alcançarmos as verdadeiras mudanças (internas ou externas), a sensação de que vivemos num um soberano exílio, no qual não triunfa a intersubjetividade das consciências – mas o individualismo – para a construção de um mundo mais ético, justo e melhor. ) Toneladas de papéis não dão conta do desassossego humano. 
Afora, as doenças, a imensa desigualdade, as guerras todas, e nem pequenos conflitos se resolvem. 
O Papa Francisco lamentou a falta de união ao redor do mundo e alertou contra a busca desenfreada por lucros que beneficia apenas a poucos. “Quanta dispersão e solidão existe entre nós. O mundo está completamente conectado e, ainda assim, parece crescentemente desunido”, disse ele. 
A própria noção de caridade, para muitos, virou algo piegas, quando na verdade ela é ”a esponja do coração: quanto mais bens espreme, mais bens lança de si”. Sim, viagem, passagem, tempo – meros transeuntes no planeta. 
Para Soren Kierkegaard (1813-1855), “o possível é um extraordinário espelho que só pode ser usado com prudência”. E a nossa memória afetiva? 
Esquecer alguém é como/esquecer de apagar a luz no quintal/e deixa-la acesa também de dia:/mas isso também é lembrar/pela luz”. São versos do poeta israelense Yehuda Amichai (1924-2000). Segundo Marcelo Coelho, “a ideia da casa abandonada, casa que deixamos provisoriamente, casa que alguém constrói – volta e meia aparece nos versos desse autor, que nasceu na Alemanha, mas migrou com a família para a Palestina em 1935”. 
A casa poderia ser o mundo. 
Casa não é só fundação, prego, tijolo, cimento, areia
É essencialmente memória afetiva, estórias, pés que lá pisaram, pipas no quintal, onde havia um pé de goiaba e uma outra “casinha” (de madeira) com enxadas, pás, arame, tanta coisa, e na casa principal, entrando-se pelos fundos, um fogão de lenha, um tio que chegava sorridente, alegre, abraçando mamãe com incrível carinho e brincadeiras, canjica na Semana Santa, tainha frita, e mesmo na hora de algum luto ela continuava à frente do fogão de lenha. 
Parece que todos me visitam nesta manhã de domingo – ofereço café novo, pão feita em casa, geleia de morango, todo o amor acumulado por gerações, estão todos juntos – também a já numerosa legião de mortos amados – com eles, desde o diagnóstico do meu câncer (em 30 de dezembro de 2014), sonho de maneira recorrente, até contínua, um café no aeroporto com a Letícia, “liderando” um giupo de psicólogos,, Marcelo relembrando nossos acampamentos, aventuras, tragos (um bilhar nos “Ingleses”, na Ilha de Santa Catarina, o Júlio César estava presente-, o Pepe convida-nos para um churrasco, ele prepara com esmero , Giocondinha querendo a “saideira” (de cerveja), em outra dimensão deve ter esquecido que não bebo há quase três décadas, mas para ela não ficar triste proponho um suco de maracujá, Alfredo David, apaixonado pelo mar, ilumina o seu olhar quando fala de uma casinha azul e branca que ele amava muito, no extremo-norte da mesma Ilha, perdão aos mortos que não citei, , o domingo se põe, os visitantes foram embora, mas um encantamento permanece – como um cheiro de jasmim –nos pássaros cantando, na lua cheia, no tempo que passa batido, na própria vida – ela mesmo, a gente querendo segurar – para sempre – o instante. 
(Brasília, março de 2019).

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

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